quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A história que vou contar



Esta é a história que vou contar um dia.
Em tempos, perdi-me de mim. Porque não sabia quem era. E me aventurei no amor sem saber amar. Como quem entra num barco sem remos, sem colete de salvamento, e vai para mar alto, sem saber nadar, durante uma tempestade. Perdi-me de mim. Levando comigo, no mesmo barco, uma alma desprotegida a quem tinha prometido segurança e quietude.
Presos no mesmo barco, fui tentando sobreviver às ondas e às correntes. Tentava colocar o meu peso ao favor das ondas, para que a água não entrasse no bote. E ele quase virava. Diziam: “tem calma, não te agites tanto”. E eu, que julgava entender, logo colocava o peso contra as ondas, deixando que a água entrasse no barco e quase o levasse ao fundo. Ele ia libertando o bote da água. Fazendo contrapeso. Dizendo: “tem calma, não te agites tanto”.
Ao longo da minha vida eu tinha aprendido a lutar. Mas não tinha aprendido a estar quieta. E, por isso, continuava. Fosse contra as ondas ou a favor delas. Fazendo, constantemente, com que o bote vergasse a minha vontade e a daquela alma sem culpa. Pondo em risco a segurança de ambos. Achando que precisava de o fazer, já que ele era frágil e não sabia nadar. Já que ele era um desistente, quieto no banco traseiro de uma catástrofe.
Eventualmente, ele culpou-me do risco. E eu tentei fazê-lo ver que não era eu a responsável pela tempestade. E eu tentei fazê-lo ver que não era eu a responsável pelas ondas. E eu tentei fazê-lo ver que não era eu a culpada pelo bote sem remos. E ele insistia: “eu sei, mas não te agites tanto”. E eu esbracejava. Com as ondas. Contra as ondas. Comigo. Contra ele. Parecia, em alguns momentos, que ele também era tempestade.
Em tempos, perdi-me de mim. Eu não sabia quem era. E eu não sabia amar. Isto não significa que eu não fosse alguém. Ou que não amasse. Mas não sabia. É importante saber.
Durante todo o tempo desta tortuosa viagem de quase-morte. Ele foi o peso que me endireitou o barco e me protegeu. Na sua fragilidade quieta. Contrariando os meus impulsos ingratos e inúteis.
E, em muitos dias, foi os braços que me envolveram para eu não sentir frio, depois da chuva e das águas que quase nos abalroavam.
Em tempos, perdi-me de mim. E quase matei os dois. Fui protegida pelo reduto de uma fragilidade forte. E descobri que a minha força me desonra pela falta de sensatez e de sentido de oportunidade.
Encolhi-me no meu banco, no meu bote sem remos e desejei ter morrido na tempestade ou ter feito sozinha a viagem.
Mas, depois, olhei. E, mesmo quebrada, mesmo perante o olhar triste dele, eu soube. Eu estava perdida de mim quando me aventurei no amor sem saber amar. Agora estou perdida no amor e esta é a história que vou contar um dia.
O leme é dele.
Podemos ir sem remos e sem colete de salvamento. Se eu não for tempestade, vai ficar tudo bem.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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