terça-feira, 11 de julho de 2017

Les étoiles



Ele costumava chamar os meus olhos de “Les étoiles”. Dizia que eles cintilavam, de uma forma muito própria, no centro da escuridão da vida. E queria ser astrónomo, para poder olhar as estrelas eternamente. Essas dos meus olhos, aos quais chamava “Les étoiles”.
Passei muitas noites com as minhas estrelas presas no céu, ao lado dele. E apontávamos, rindo, as imagens imaginárias que as outras estrelas – as que não eram olhos - formavam, em pontos picotados no centro das noites sem luar.
O meu universo virava-se do avesso. E dava por mim inebriada pela incandescência solar de um desejo que ali nascia, mesmo debaixo do véu negro do céu, à medida que “Les étoiles” se fechavam para nos beijarmos.
Amanhecíamos. Eu e ele. E a rua. Algures, no centro da cidade poluída, encontrávamos carreiros de noite, onde idealizávamos um planeta sem pessoas, uma galáxia sem medos, um mundo só nosso. E ele falava do brilho dos meus olhos, nesses planos de utopia, tecidos finamente numa tela de irrealidades. “Les étoiles”. Uma exclamação que virava vento, partia e regressava com beijos nos lábios mornos do Verão.
Cada passo foi um ano. Mas poucos passos demos, nesta demanda de olhos postos no céu. Porque criávamos raízes no solo infértil de um mundo que gira em torno de uma única estrela, onde as pessoas olham muito mais em frente do que para cima e onde o brilho do sonho se troca com facilidade pelo concreto baço e pardacento. “Les étoiles”.
Continuei a olhar os céus. Nas noites sem lua. E a apontar desenhos nas estrelas. Eu dizia ver castelos e borboletas. Ele já não as via. Olhando o céu e esquecendo os meus olhos, ele dizia ver somente uma coisa. “Les étoiles”. E, com o tempo, deixou de se deitar ao meu lado para as ver. E, com o tempo, deixou de me olhar nos olhos. E, com o tempo, deixou de aparecer.
Ele costumava chamar os meus olhos de “Les étoiles”. Dizia que eles cintilavam, de uma forma muito própria, no centro da escuridão da vida. Quando foi, deixou-me o olhar negro. Levou “les étoiles”.
Hoje, as estrelas não cintilam.
As estrelas choram.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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