terça-feira, 11 de abril de 2017

Conta-me os teus segredos




Conta-me os teus segredos.

Pedes. Em tom de ternura. E eu recuso sempre. Sempre. Porque me recordo dos segredos demasiado bem. Vejo-os expressos nas linhas do meu rosto como cicatrizes de mágoa, sobre os locais onde tinha passado antes de chegar até ti, com força suficiente para te ouvir pedir.

Conta-me os teus segredos.

Fico a olhar para as mãos. Tenho uma coleção de desgostos. Vou fazendo recortes e colando, um a um, cada momento de miséria na minha caderneta de sonhos. Acumulo-os. Mas não os digo. Não falo sobre eles. Ignoro-os. Faço de conta que não estão lá, sentados à nossa mesa, a olhar para nós com sorrisos lascivos, à espera da resposta, cada vez que me pedes.

Conta-me os teus segredos.

Reclamo dentro de mim a escuridão dos recantos inundados pelas lágrimas que chorei. Houve nascentes nos olhos que me desaguaram na alma. E fizeram mares que não secam. Nem mesmo perante o sol. Não secam e não aquecem. Talvez pela dimensão, talvez pela agrura. E mergulho nessas águas de gelo para descobrir que há um medo acutilante e presente, sempre que a tua voz se ergue. Sempre que ela o diz.

Conta-me os teus segredos.

Passado. Como uma agulha que se enlaça, fazendo nós em vez de pontos e querendo que o pano fique leve. E eu tento cortar, um a um, esses nós. Desfazer-me das memórias. Deixá-las pousadas num canto qualquer, onde ninguém vá e ninguém saiba. Mas as recordações são nós que se prendem ao tecido da minha pele e que enquistam no silêncio, cada vez que me pedes.

Conta-me os teus segredos.

Olho-te. Amo-te. Sou eu. Eu e os meus segredos que não digo. Não me roubes os meus segredos! Não me roubes de mim! Sou tudo o que tenho e não valho nada. Não me roubes com pedidos como esse.

Conta-me os teus segredos.

Aqui está um. Tenho medo. De contar. Os meus segredos. Depois vais embora e não vai haver ninguém para o dizer. Para o pedir.

Conta-me os teus segredos.



Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet



Sigam também o meu instagram, aqui.   

Sem comentários:

Enviar um comentário