terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Amarige

Amarige
Aroma-Saudade



Todos os tons da saudade num frasco vazio.
E o desejo do abraço que falhou antes
E a almofada que humedece sob o rosto
E o medo que aperta de um amanhã mais frio.
Todos os tons da saudade num frasco vazio.
E a mentira de que ficam as coisas distantes
E o sabor acre da dor, do desgosto,
E o medo que aperta por tanto o sentir
Tenho as lágrimas, mas ainda sorrio,
Tenho este frasco, ainda que vazio,
E o aroma dela antes de dormir.


Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet




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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Governar o mundo



Deviam. Não têm de. Mas deviam. Pelo menos tentar. Ver. Talvez se surpreendessem. Eu acredito que sim!

Um dia, deviam pôr uma mulher a governar o mundo!

Não! Não um homem de saias. Não uma senhora que cresceu a acreditar que só os homens podiam e a aprender a passar mais ou menos despercebida no meio deles, com os seus fatos engomados e conservadores. Não alguém cujo cérebro pensa no masculino. Não alguém cujo coração endureceu nas promessas mais ou menos realistas do enriquecimento pessoal. Uma mulher. Qualquer uma, posto que as mulheres são todas diferentes. Mas uma que o seja, de A a Z. Mulher.

Um dia, deviam pôr uma mulher a governar o mundo!

Essa mulher deveria ser mãe. Não porque eu ache que uma mulher tem de ser mãe. A maternidade não define a feminilidade nem o valor de ninguém. Mas, para governar o mundo, eu acho que a mulher escolhida devia ser mãe. Daquelas que se levantam de noite para garantir que os filhos não estão descobertos e a apanhar frio. Daquelas que se sentam a olhar para os primeiros passos, agarrando-se ao sofá para se impedirem de correr para lhe ir amparar as eventuais quedas. Daquelas que se emocionam quando o filho entra na peça da escola, fazendo um papel menor no qual nem uma fala têm… mas que dizem a toda a gente, mostrando cem fotografias (todas iguais), como ele foi perfeito.

A mulher certa para governar o mundo devia ser este tipo de mãe. Aquela que não tem amas para cuidar dos filhos nos dias de folga e que não tira férias de o ser. Que passa a ferro ou que pede ao marido (ou esposa) que o faça. Que faz o almoço ou manda vir uma piza para não ter trabalho. Que limpa a casa, com um olho nas notícias e outro no ponteiro da balança. Que corre maratonas ou passeia pela avenida com o carrinho. Que ouve músicas românticas e adora, ama de paixão, filmes de ficção cientifica, de terror, de romance ou de drama.

Um dia, deviam pôr uma mulher a governar o mundo!

Governar o mundo não é algo que a sociedade tenha preparado os homens para fazer. Infelizmente. Num lugar de dimensões mínimas, como uma casa, a maioria dos homens, se passam dois dias sozinhos, criam um espaço de caos. E se o filho chorar, é um caos com banda sonora. E se a panela verter, é um caos com banda sonora e aroma a queimado. Não é por falta de capacidade… que não faltam aos homens duas mãos, nem um coração, nem inteligência. Mas foram muitos séculos, milénios a dizerem aos homens que o espaço é para ser ocupado.

Às mulheres não. Historicamente, as mulheres não foram conquistadoras. Mas foram os pilares da construção, da manutenção e da paz. Os homens ganhavam a guerra e elas avançavam para as batalhas que seguiam a guerra. De uma forma leve e suave. Nem deram por elas.

E, senhores, é a má notícia: o mundo está descoberto e conquistado! Parabéns! Falta sustê-lo. Falta pegar na casa e fazer dela um lar. Um lar que se chame mundo.

Deviam. Não têm de. Mas deviam. Pelo menos tentar. Ver. Talvez se surpreendessem. Eu acredito que sim! Um dia, deviam pôr uma mulher a governar o mundo!

Uma mulher que o limpasse como foi ensinada a fazer. Que o amasse como faz por instinto. Que o embalasse como a um filho. Uma mulher que não estivesse formatada para pensar que o mundo está assente num cifrão. Uma mulher que não estivesse lá para agradar aos homens mas antes para cumprir o seu papel. Uma mulher que conseguisse olhar para a pequenez das mentalidades como quem olha para um bebé recém-nascido, vendo já os grandes feitos presos nas nuances do seu potencial.

Onde iríamos se tentassem, só por uma vez, pôr uma mulher a governar o mundo?
Provavelmente não vamos saber. Provavelmente, se uma mulher chegar lá, será um homem de saias. Provavelmente.

É que, na falta de mundo para conquistar… os homens conquistam as mulheres. E elas deixam porque amam. Elas nem sabem que podiam governar o mundo.



Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Todas as histórias



Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade. Algumas são. Talvez a maioria seja. Já me perdi de mim tantas vezes. Não sei dizer. Não há muitas que me pareçam reais. Umas porque não me identifico com elas. Outras porque não quero ver nelas o espelho do meu negrume. E ainda outras por me fazerem esperar da vida mais do que o desalento.
Seja como for. Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade. Algumas colocam-me em locais onde nunca estive e põe-me na boca palavras que nunca disse. Acredita. Se o disse, escrevi-o algures. Vasculha pelas minhas notas de amor e ódio. Verás. Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade.
Acreditas em algumas. Da irracionalidade da crença eu já vi surgir as mais variadas respostas. Do ódio contemplativo aos olhares recheados de veneno, passando pelas palavras de ameaça e os gestos de violência. Sim! Eu estava lá. Se disserem que estava, é verdade. Essa é uma história legítima.
Estava lá. Eu e a minha maneira de estar, muito pouco adaptada ao mundo e às pessoas. Chata, inconveniente, repetitiva. Sou cansativa e os outros já o sabem há muito tempo. Contam histórias. Comédias ímpares e dramas sem hora. Fazem filmes a preto e branco onde eu apareço desfocada, como se fosse um fantasma de mim. Algumas histórias que contam sobre mim são verdade. Mas não todas.
Por exemplo. Fala-se muito da mentira onde eu disse verdades que as pessoas não queriam ouvir. Porque é mais fácil acusar-me de falsidade do que dizer que eu não meço as palavras na altura de as atirar, com a dureza da realidade, ao rosto de quem quer que seja. As pessoas têm problemas com a verdade. E têm-nos comigo, por arrasto. Mas eu falo. Quando é preciso. E não o faço de forma bonita. Não arranjo eufemismos e sonhos e alentos. Digo. Dizer a verdade já fez de mim “a mentirosa” tantas vezes que comecei a achar que a palavra vinha trocada nos dicionários e enciclopédias do mundo. Fui ver. Parece que tenho razão. Acho, por ter razão, que sou demasiado inteligente e que isso me custa pontos no jogo da vida. Será? Não sei! Talvez. Mas o ponto é este. Nem todas as histórias que se dizem sobre mim são verdade.
Algumas são. A história da depressão constante. Do olhar pesado. Das conversas sobre literatura nos serões de farra. Da procura pela inspiração no fundo de copos de vodka maçã. Das conversas longas com fantasmas mortos de figuras que nunca existiram. Da tomada de coragem no fundo de garrafas de vodka de baunilha e amora. Dos beijos molhados e proibidos na procura do amor. Enrolada na cama. Vestida de roupa e despida de pudores. A querer dar o que vem depois da alma a alguém que eu acho que me entende. Entenda ou não.
Não sou nenhum exemplo de retidão nem quero sê-lo. Mas também não sou a personagem que se cria em todas as histórias nas quais figuro como protagonista triste. Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade. Algumas são.
Distinguir a verdade da mentira não importa muito, contando que se morra. Não sou imortal. Talvez alguma história diga que sim. Mas não sou. Vou morrer um dia, juntamente com a consciência de onde começa a verdade e onde acaba a mentira. E o que ficam são histórias nas quais figuro. Irreverente. Triste. Moralista. Ou simplesmente estúpida. Calculista. Mentirosa. O que vai importar? Ficam as histórias e eu não. Fica o meu eu, que não sou eu, mas apenas personagem de ficção em histórias que podem ou não ser verdade.
Adormeço. Tranquila. Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade. Mas a história vira estória. E as estórias embalam o mundo rumo ao amanhã. E amanhã começa tudo outra vez no nascer do sol. E o sol sabe a verdade. É só isso que importa…



Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Domingo à tarde



Tu tens o drama. Todo ele. Sem o mais pequeno indício de gafe ou de lacuna. E o aspeto cuidado. As sombras e as nuances corretas. O desenho perfeito de um olhar de estrela. Não seria preciso muito. Se tivesses algum conteúdo, poderias ser um filme de Domingo à tarde.
Digo-o sem desprimor. Para os filmes de Domingo, isto é. Servem as gentes e enchem as horas. E criam sonhos comuns em pessoas comuns. Para que tudo mude. E tudo fique igual. Como tu.
Andando pelas rua, algumas pessoas hão-de deixar que se quede em teu redor um sem fim de pensamentos frouxos. Clichés. E de tanto sorrires à mesma amálgama vazia de assuntos insossos, os teus lábios tomarão o sabor de gomos de laranja amarga. Mas não te importes. Haverá quem os beije e quem deles sorva um desigual manto de amores perdidos. Também ele cheio de clichés informais. Tirados desses filmes. Os de Domingo à tarde.
Mas sonha. Nos teus passos dados de salto alto, a virar pés na calçada portuguesa. Sonha com o amor. Esse que nasce pelos belos olhos e as belas palavras. E que termina num coração quebrado que outro amor repara com a massa concreta da esperança. Deixa-te querer isso e mais nada. E dramatiza. Como fazes tão bem. Recorrendo às palavras mais baratas das revistas e atropelando-as com termos formais ouvidos aqui e além. Cultiva os termos como sementes, acreditando que eles fazem nascer na terra baldia e infértil das tuas frases algum tipo de rebento intelectual.
Minha querida. O olhar que se perde, vagando, à procura do amor é mais vazio quanto te é dito que o teu amor devias ser tu. Saltas de nuvem em nuvem pelo conceito, à procura da caixa perfeita onde ficas no espaço seguro que te mura a zona de conforto. Que para desconforto bastam os saltos e a ideia quem inventou a calçada desnivelada que tu pisas. E dizes que não. Nunca, nunca, nunca. Não vais ser feliz. Que tormento. Que impaciência. E o príncipe, lá longe. Se te visse. Se olhasse. Se ao menos…
Tu tens o drama. Todo ele. Sem o mais pequeno indício de gafe ou de lacuna. E o aspeto cuidado. As sombras e as nuances corretas. O desenho perfeito de um olhar de estrela. Fico a olhar para eles. Não sei se sinto pena de ti ou de mim, por não ser tu. Parece simples. Como respirar. Como um filme de Domingo à tarde. Mas mais elementar.
Vais. Virando os tornozelos que se endireitam num salto a cada tropeço, à espera da mão encantada do amor. E, se ele te ampara, é para a vida.
Que felicidade pulsante, caminhando pelas ruas citadinas onde me perco em pensamentos mil, formulando esquemas de compreensão do mundo. Que felicidade! Feixe de louca sedução pelo que se dá como certo. Inebria e luz! Quem me dera. Pode ser cliché. Mas quem me dera! Porque é que nunca tive paciência para os filmes de Domingo à tarde?

Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Segredo



O meu segredo:
Ansiedade de mel agre.

Senhor de reinos de agonia
Sepultado sem nome
Esculpido na pedra.

Corda partida do tempo.
Dor talhada no peito.

O meu segredo:
Morte criada no devaneio
Das horas que ficam.

Toca a saudade
Badalada de medos
No santuário da dor.

De saudade, silêncio e solidão
Vive o meu segredo.

E neles morre
Devagarinho.


Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet



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