sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Não chores


Não chores nunca mais, amor meu,
Não continues triste, que é pecado
Sentir qu’ o mundo inteiro esmoreceu
Nesse rosto de lágrimas marcado.

Não acalentes o medo e o desgosto,
Qu’ é um erro sentir-me tão perdida.
Uma lágrima caindo no teu rosto
É um inferno aceso na minha vida.

Não chores, que não te vai magoar
Nenhum anjo ou fantasma do passado.
Estou aqui, mesmo que não possa estar,
Estou aqui, sabendo como é errado.

Não enchas o teu rosto de doçura
Com lágrimas de eterno sofrimento.
Na vida, só essa dor perdura.
Pra dor, meu amor, tu terás tempo.

Não sofras já, que não aguento vê-lo,
Quando a juventude ainda te sorri.
O sofrimento é só um pesadelo
E no teu sonho mau, quase morri!

Não chores, meu amor, não chores mais!
Não faças minha alma sofrer tanto.
Tens tempo pra sofrer, até demais…
Não t’ afogues em dor, por enquanto.

Uma lágrima no teu rosto plantada,
Fez de mim destroço d’ eternidade.
Agora, meu amor, se não sou nada,
É porque já era dor na tua idade.

Marina Ferraz

in: Fonte d' Abrigo

domingo, 13 de novembro de 2011

Ponteiros


Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu vou rodar os ponteiros no sentido errado e inverter o tempo. Vou deixar que a manhã desapareça e dê lugar à aurora e depois à noite. A noite. Essa noite.
Quero ser a pessoa que voltou atrás no tempo. Porque, apesar de se dizer que o futuro tem as maiores maravilhas do mundo, eu sei que, às vezes, deixamos cair pelo caminho partes imprescindíveis de nós. E eu vou rodar os ponteiros no sentido errado para ir buscar o que perdi.
Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu vou voltar atrás para ir buscar a menina. Sim, a menina. A menina de cabelo aos caracóis e de laçarotes ao xadrez, que andava sempre com vestidinhos de fazenda perfeitamente engomados. A menina que decidiu o seu futuro aos seis anos e que não desistiu dos sonhos nem por um segundo. É isso que eu a vou buscar às noites desse tempo que passou.
Não me entendas mal! Vivi tanto do melhor do mundo. Tantas coisas de provocar sorrisos de orelha a orelha. Mas essa menina, essa menina não odiava ninguém. Essa menina não amava ninguém. Essa menina nunca tinha visto ninguém morrer. E eu tenho saudades dela porque, apesar de não ter vivido as maiores coisas, já era capaz de as sonhar.
A memória mais sagrada que guardo dessa menina é a olhar para as estrelas. "Estrelinha brilhante, primeira estrela que vejo, realiza hoje o meu maior desejo!" A mesma frase insensata, dita mudamente por lábios cénicos e crentes. À espera que as estrelas lhe dessem o caminho dos sonhos e a encaminhassem por trilhos de amor. Totalmente inocente, à espera que o mundo olhasse para ela e entendesse que nada de mal ia acontecer.
Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu adoro essa menina que ficou para trás, com os seus quase ridículos sapatos de tira e a sua crença cega na magia do mundo. Porque essa menina, essa menina que largou cedo as bonecas para se agarrar aos livros e que perdeu aulas inteiras a divagar em histórias encantadas, essa menina sabia exactamente o que esperar do futuro. A única coisa que ela não sabia era que, nesse futuro, ia querer voltar atrás para voltar a ser criança.
Vou rodar os ponteiros no sentido errado, sim! Vou! Tenho a mão estendida. Podes vir comigo buscá-la. Mas vou, mesmo que não venhas. E, quando a encontrar na noite dos infernos em que a perdi, vou pedir-lhe desculpa. Vou pedir-lhe desculpa por ter deixado cair a bondade extrema de acreditar que o mundo podia ser um lugar perfeito.
Mas eu conheço essa menina melhor do que ninguém. Sei o que ela me vai dizer. E sei que ela vai resumir tudo a duas perguntas.
- Realizaste o meu sonho? - perguntará, enrolando um caracol, com um ar envergonhado. E eu vou sorrir, olhar para ela e dizer que sim. - E amaste?
É por esta pergunta que gostava que rodasses os ponteiros do tempo comigo. Aquela menina, tão inocente, que não amava nem odiava ninguém, era justamente a menina que podia olhar nos meus olhos e saber as respostas. Olhar nos teus e entender o motivo pelo qual tinha voltado atrás.
Não sei quanto a ti. Mas eu vou lá, onde ela está. E vou guardá-la no peito, mesmo com os quilinhos a mais e o cabelo revolto. Devo a essa menina tudo quanto sou hoje. Os sonhos dela, os meus sonhos. O amor dela, o meu amor. Ela já sabia tanto com os olhos cheios de ternura...
Preciso que ela me ensine a esperar e a sorrir. Preciso que ela me ensine a pedir às estrelas para ser feliz.
Eu vou rodar os ponteiros. Vez após vez, até chegar à hora certa do dia certo. Até chegar à noite em que ela pediu um desejo às estrelas e esse desejo foi simplesmente amar. E, quando a encontrar, vou abraçá-la e trazê-la comigo. Quem sabe se não viveremos juntas o melhor dos contos de fadas.


Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Toque da Simplicidade


Às vezes, é muito simples. Um pôr-do-sol. Uma lua cheia. Uma brisa por entre as árvores. O cheiro da relva orvalhada pela manhã. O aroma adocicado da terra nas primeiras chuvas do Outono. Às vezes é muito fácil amar a vida.
Passar a mão no tronco de uma árvore, falar com ela e ouvir-lhe a resposta - às vezes silenciosa, mas sempre repleta de razão. Olhar o Mar, aprender a amar-lhe a calma e a intempestividade. Aprender a amar o Mundo pelo que ele é: tão complexamente simples, tão emotivamente calmo, tão sábio e tão paciente.
É na mistura brusca entre essa Natureza e a minha própria alma que encontro paz. Uma paz que soa a liberdade. Uma liberdade que é impossível de ser acorrentada aos males da vida. E, assim, é na Natureza que encontro a força para viver, a força para acordar todos os dias e continuar a ser como um rio que corre infinitamente rumo ao Mar, aproveitando cada curva do caminho. É assim que, por entre a divindade verde e azul do Universo, encontro um lugar para mim. Entre as árvores. Entre os rios. Entre as estrelas.
Nunca encontrei na Natureza um conselho menos sábio ou uma critica sem razão. Encontrei sempre nela o colo de uma Mãe e a sabedoria de uma Anciã sem idade e com todo o tempo do mundo. Encontrei nela a virgindade doce de Donzela que sonha e que sabe melhor onde começa o real e acaba a fantasia e, ainda assim, acredita em ambas.
Sim, às vezes é muito simples. Tão simples como respirar fundo o aroma dos eucaliptos ou o ar do Mar. Tão simples como descalçar os pés na areia ou mergulhá-los no ribeiro frio que corre, desde uma nascente de vida até à infinidade de todas as coisas.
Não é por acaso que nascemos na condição mortal de nos ser negada uma vida eterna. Nascemos para saborear as pequenas coisas. Para aproveitar os pequenos momentos. Para sorrir quando vemos alguma coisa que nos recorda que somos abençoados diariamente com a presença do que o mundo tem de melhor.
E acredito que é por isso que os homens nascem homens e se tornam homens por entre a Natureza das coisas. Não para a subjugarem, não para a destruírem mas para fazerem parte das maravilhas Dela e, em casos maravilhosos, aprenderem alguma coisa.
Afinal, no fim de tudo, a derradeira prova de que a Natureza é infinitamente mais sábia que o homem é que, enquanto alguns homens vivem de rastos, as árvores aprenderam a morrer de pé.


Marina Ferraz