quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Horizonte


Nunca vou querer menos do que o horizonte. Não posso querer menos do que essa eternidade imaginária onde, num segundo, se pode conhecer o Universo. Nunca vou querer menos do que o horizonte. Ele está sempre à minha frente, hasteando todos os meus sonhos, abrindo os braços para abraçar tudo o que um dia quis.
Talvez o horizonte não esteja mais perto. Isso não significa que nunca alcancei nada. Significa apenas que há sempre algo por atingir. E amo esses motivos que se mantém à distância de um olhar e me fazem dar passo após passo, numa corrida infinita rumo ao inatingível.
Não quero conseguir o que outros já conseguiram. Não quero ter os limites dos meus sonhos presos às limitações do meu corpo. Eu quero tanto quanto a minha imaginação permite: quero a felicidade plena desses milésimos de momento que, no fim de tudo, terão valido uma vida. Quero o sorriso rasgado. Quero as lágrimas compulsivas. Quero os abraços e os estalos da vida. Quero o encolher de ombros. Quero a queda. Quero o voo. Quero essa linha imaginária que permanece ali ao fundo, real e insensata, apenas porque está à minha espera.
Nunca vou querer menos do que o horizonte. Nunca vou querer desejar menos do que isso. Talvez os limites da minha vida estejam nos meus poucos riscos, nas minhas poucas loucuras, nas minhas tristes horas sem fazer mais do que tenho para fazer. Mas os limites dos meus sonhos estão em não haver limites. E quero o horizonte, sim! Sempre quis o horizonte. Hei-de o querer para sempre. E se, dando um passo, ele se afasta, isso não significa que não posso atingi-lo mas apenas que ainda não tentei o suficiente.
Quero ir onde ainda ninguém foi. Amar como ninguém amou. Rir até ser considerada louca. Chorar mil lágrimas, ainda que seja pela coisa mais ínfima. Levantar os punhos e lutar contra as tempestades. Ir passear à chuva. Mergulhar no mar de Inverno.
Quero fazer o que ainda ninguém fez. Sonhar mais alto que os céus. Cair mais fundo que o mais fundo dos penhascos. Aprender a voar, de asas abertas, pelo infinito de uma palavra.
Nasci para ser livre. E sou livre de sonhar. Livre de querer esse horizonte eterno e incerto que está sempre à distância do impossível.
Nasci livre e vou morrer livre: na liberdade de acreditar no amor, de acreditar nos sonhos, de acreditar em histórias para crianças e em seres fantásticos. Na liberdade de amar os Deuses como se fossem companheiros de viagem. Na liberdade de comentar com as fadas o quanto gosto das Estações da vida.
E nunca vou querer menos do que o horizonte. Porque amo poder querê-lo. Porque sonho poder atingi-lo. Porque, no fim de tudo, ninguém sabe se não é para lá que a nossa alma vai repousar, até estar preparada para ser livre mais uma vez.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

sábado, 1 de outubro de 2011

Todos os motivos do Mundo

Ao meu avô


Todos os motivos do Mundo. Tenho todos os motivos do Mundo para dizer que sinto a tua falta. Não hoje, mas a cada dia. Tenho todos os motivos do Mundo para não calar a voz dos meus sentidos no que te diz respeito. Tenho todos os motivos do Mundo para admitir que és em mim uma cicatriz viva, que estará sempre marcada, lembrando um longo rumo onde, durante tanto tempo, fui abençoada por te ter por perto.
Tenho todos os motivos do Mundo para abrir a janela e falar contigo como se fosses uma estrela. Todos os motivos do universo para acreditar que me ouves e me afagas o rosto com a mão do vento, enquanto me desejas - como sempre - apenas o melhor que a vida tem para oferecer.
O que dizemos tem sempre consequências. Uma interpretação errada aqui, um momento de crítica ali, dois segundos ou uma vida de comentários. Mas eu tenho todos os motivos do Mundo para dizer que nada irá, jamais, suprimir a falta que me fazes. E tenho todos os motivos para não ter medo de o gritar.
Imagino-te no vento, feito de ar e sabedoria, com esse sorriso cansado e maravilhoso com o qual me enchias os dias. Imagino-te no mar, pedaço intempestivo e lutador dos tempos, herói de batalhas por contar. Imagino-te na terra que calco, apoio incessante de todos os meus passos. Imagino-te com a vida eterna de todas as eternidades - as que existem, as que não existem, as que invento apenas para te sentir por perto.
Tenho todos os motivos do Mundo para não dizer adeus. "Adeus" é a palavra chave de um sem fim de mágoas que não quero cultivar. Sinto saudades, apenas, neste "até já" mortal que me faz sentir a paz de saber que, um dia, nos vamos encontrar, dar as mãos, partir juntos numa jornada onde possamos sentir a presença um do outro a tempo inteiro.
Todos os motivos do Mundo. Tenho todos os motivos do Mundo para te amar. Tenho todos os motivos do Mundo para admitir que ainda sinto a tua falta. Tenho todos os motivos do Mundo para gritar que sim, que ainda te falo à noite, como se fosses um anjo e velasses por mim. Porque, tu sabes, sempre velaste por mim e, aos meus olhos, primeiro de criança, depois de rapariga, foste sempre um anjo. Um anjo a acreditar, a lutar, a viver e a sonhar apenas para que os meus dias pudessem viver na linha intermitente que demarca o que é real e o que é fantasia, na corda bamba de um lugar onde ainda é possível seguir uma vida melhor e mais pura.
Tenho todos os motivos do Mundo e vou ter sempre todos os motivos do Mundo. Porque há pessoas que se imprimem na nossa pele e que nos marcam a vida. Porque há sorrisos que tornam os momentos eternos. Porque há pessoas que falam pelas estrelas e nos acarinham no vento muito antes de partirem e deixarem só esta magia saudosa de se amar alguém.
Por isso, não: não tenho medo. Tenho todos os motivos do Mundo para não ter medo. Tenho todos os motivos do Mundo para acreditar que estás aí, com as tuas asas de ar e o teu sorriso de água, a proteger os meus passos. Tenho todos os motivos do Mundo para saber que estarás sempre presente, mesmo que mais ninguém o saiba... mesmo que mais ninguém o veja.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet