quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Carrossel

Então a vida girou e eu chorei.
Podia não ter chorado, é verdade. Alheia aos movimentos e às mudanças deste mundo que piso, poderia apenas ter-me curvado em serventia e sorrido secamente.
Mas a vida girou e eu chorei.
Chorei sobre a promessa que já não conseguia cumprir. A mesma promessa que cumpri durante tempo demais, sem me importar com as raízes de mágoa que penetravam cada vez mais fundo em mim.
Primeiro a solidão. Depois a dor. Por fim, a vergonha. Todas elas vieram fazer-me companhia… Tapei os olhos com as mãos para que não vissem que eu chorava. Não tardou, no entanto, para que as lágrimas escorressem pelas minhas mãos e manchassem a madeira no sitio onde caíam.
Chorei sobre a minha rectidão. Sobre a promessa mais importante que fiz na vida inteira. A culpa foi de quem me criou com todas as fraquezas de um ser humano, de quem me elevou a divindade e me tornou um monstro.
A vida girou e eu chorei.
Antes que pudesse evitá-lo, as minhas lágrimas cristalinas ganharam nuances escarlates. A solidão perfurou-me o coração, a dor rasgou-me a alma, a vergonha entranhou-se na pele. Morri.
Quando renasci, os meus olhos viam claramente o que antes parecera tão incerto. O céu, quase azul, estava carregado de nuvens. O arco-íris era na verdade uma prisão. O príncipe encantado era apenas uma sombra… nada daquilo era real.
E, então, a vida girou e eu continuei a chorar.
Era tempo de quebrar uma promessa… era tempo de prometer a mim mesma que nunca mais tentaria sair do carrossel para caminhar sobre um arco-íris de pedra.
A vida girou e eu chorei. A promessa tombou. Quebrou como cristal no chão rugoso. As grilhetas caíram.
A vida girou e eu estou livre…

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet