sábado, 29 de novembro de 2008

Carta à solidão



Querida solidão:

Bem sei que de pouco me serve escrever-te. Estás tão próxima de mim que ouvirias os meus pensamentos com a mesma facilidade com que lerás esta carta. Mas eu escrevo-ta. Não a escrevo porque acho que lhe darás algum valor mas antes para ter a certeza de que, dia após dia, te lembrarás que me lembrei de escrever para ti e não apenas sobre o que me fazes ou representas.
Esta carta não precisa de sair daqui. Certamente não precisará de envelope ou de selo. Porque neste exacto momento estás a lê-la, como se tu própria fosses os meus olhos fitando este papel ou a minha caneta, deslizando levemente e rabiscando de azul a brancura desta folha.
Começo por te agradecer por seres uma presença constante na minha vida. Porque todos se vão embora mais cedo ou mais tarde. Há quem o faça porque não mais encontre em mim as virtudes de outrora e quem desapareça da minha vida com altruístas pretensões de fazer de mim alguém mais feliz. Mas tu nunca vais a lado nenhum. Continuas comigo mesmo quando a multidão que me rodeia tenta provar que desapareceste numa qualquer curva deste caminho sinuoso chamado vida.
Demasiado assustada para te arranjar um quarto na minha casa, arranjei-te um espacinho dentro do meu próprio quarto. Aos poucos e poucos foi dentro de mim que te alojaste. Encontraste um espacinho naquele inevitável vazio que tenho no coração e preencheste-o de um modo inexplicável.
A cada passo que dei tu cravaste um punhal no meu peito. Fizeste de cada pessoa que conheci apenas mais uma pessoa que acabaria por ficar no passado e que jamais tornaria a encontrar.
Tomaste conta de mim e da minha vida. Invadiste o meu mundo, a minha casa, a minha vida. E depois fizeste-me sentir que se te fosses embora estaria ainda mais triste.
E eu dei-te sempre ouvidos. Não sei bem porquê! Não faz qualquer sentido, pois não?
Hoje que estás aqui, a ler esta carta enquanto a escrevo, eu venho pedir-te que fiques. Não te peço já que vás embora e me dês uma segunda oportunidade…. Aceitei que não irás a lugar algum, que jamais me deixarás ser feliz. Porque me darias uma segunda chance se não deste a primeira?
Pois fica, então! Fica comigo se é o que queres. Mas segue as minhas regras. Deixa-me imaginar que foste quando o meu coração acelerar. Deixa-me chorar quando me fizeres perder alguém. Deixa-me fingir que todas as pessoas que me rodeiam bastam para te anular. Deixa-me viver como se não existisses, ter um sorriso no rosto…
E, à noite, quando já ninguém estiver junto a mim, eu prometo que te dedico as sagradas horas de sempre, chorando por haver um vazio impossível de preencher nesse espaço que devia estar repleto de amor à vida. Dir-te-ei, como sempre, que quero morrer. E tu, fiel a ti própria, poderás dizer-me que só te tenho a ti e convencer-me de que não posso sobreviver sem que estejas comigo.
Minha querida solidão, hoje escrevo-te porque estou sozinha e porque estou triste. Escrevo-te porque és tu que estás aqui mesmo quando finges não estar. Escrevo-te porque já tens até as minhas palavras. Entrego-me toda a ti, ciente de que a felicidade e o paraíso são lugares que jamais conhecerei.
Tua,
Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet