terça-feira, 12 de março de 2024

Tu não fazes ideia

 

Lágrima (Pintura a Óleo - Marina Ferraz)

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é. Caminhares, ferida, por entre destroços, a levantar pedaços de concreto, no concreto da mágoa. Teres lágrimas secas a correr no rosto e sede. Encontrares o teu filho desfeito. Veres-lhe as entranhas destacadas. Viveres três mortes numa só, que nunca um filho morre sem que uma mãe morra e sem que a esperança morra também. Implorares a um qualquer Deus, que não importam panteões nesses momentos. Receberes, em resposta, o som de outra explosão. E seguires, porque os pés te arrastam, à espera de seres o próximo cadáver, para que a vida não doa tanto.

 

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é teres a aliança do casamento a apertar a garganta. As mãos de alguém que te jurou amor. Que comprova o amor em marcas, hematomas no mapa do teu corpo. Acordares com os movimentos possessivos dele, sobre ti. Não te moveres por medo. Ouvires as frases mais duras, as que os filmes censuram e calares. Teres queimaduras e costelas partidas. Sorrires na rua e dizeres que caíste. Que desastrada!

 

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é estares grávida. Fugires da guerra e seres apanhada na fronteira. Teres o corpo rasgado por soldados cruéis. Armas enfiadas em ti, disparadas dentro de ti, ceifando duas vidas simultâneas no som do riso.

 

 

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é seres vendida aos 8 anos. Ouvires que o teu nascimento foi punição. Seres vendida, com as tuas irmãs, para que os teus pais e irmãos possam viver. Dares por ti num quarto minúsculo, com grades nas janelas. Veres entrar homens pela porta, para que pagues a dívida da tua estadia e todo o dinheiro investido em ti. Pagares essa dívida toda a vida, até ao gesto de violência que ponha fim à tortura.

 

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é seres criança e levarem-te para um espaço ritual, cortarem o teu clitóris a sangue frio. Sangrares e sobreviveres, se os Deuses quiserem. Mereceres, na sobrevivência destinada pelos Deuses, o casamento. Seres objeto de depósito do prazer de alguém, parideira dos frutos desse embate corpo a corpo. E só sofreres.

 

 

Tu não fazes ideia.

 

Não fazes ideia de como é pores as chaves entre os dedos e, mesmo assim, não teres chances contra os agressores que povoam a rua. Ires, culpada de todos os males do mundo, pelo mal iluminado do passeio, ouvindo o coração a bater no peito. Teres o encontro fortuito com um grupo embebido de si próprio. Teres as roupas rasgadas e o corpo usado até à exaustão de gentes sem nome. Arrastares-te para casa e escolheres entre o silêncio e as acusações. Puta. O que esperavas, afinal, a essa hora?

 

Tu não fazes ideia.

 

Eu também não faço.

 

Sou feliz porque não sei, não entendo, não consigo imaginar o que sentem essas mulheres. Que privilégio este de ser mulher ocidental, amada, protegida por um qualquer anjo invisível. Que privilégio este de nunca ter sido vítima da guerra, da mutilação, do tráfico, da violação. Que privilégio este de ter direito ao prazer, de ter direito à palavra.

 

Mas também sou feliz porque não faço ideia. E porque, não fazendo ideia, não sou indiferente à ideia de quem faz. E porque posso escrever este texto, destinado a quem, como eu, não faz ideia.

 

Então, este texto não é sobre fazer ideia do que os outros passam. É sobre a necessidade de entendimento sobre o nosso privilégio – do qual muitas vezes, por mera desatenção, também não fazemos ideia – e de saber o papel e a responsabilidade de quem tem voz.

 

Não faço ideia de como seja não ter voz. Aproveito a minha para falar. Não falo porque sei. Falo porque posso. E, se ninguém falar, nada mudará. Jamais.

 

Tu não fazes ideia.

 

Eu não faço ideia.

 

Alguém, algures, sabe exatamente o que eu quero dizer…

 

Não tu.

 

De ti, espero – com a maior honestidade – que nunca faças ideia.


  Marina Ferraz




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terça-feira, 5 de março de 2024

Portugal importa



Portugal importa. Portugal importa! Estamos todos de acordo. Certo?

Portugal importa. Importa mais hoje do que importava há meio século. Importa tanto que a balança comercial está a negativo há mais de 3 décadas. Importa bens. Importa serviços. Máquinas, partes, aparelhos, eletrónicos, alimentação, produtos acabados, talentos…

Importa de Espanha, da Alemanha, de França, de Itália, da Holanda… importa.

 

Dos talentos, destacam-se os profissionais qualificados. Abençoados sejam os que vêm, sem saberem ao que vêm… Falamos de médicos, engenheiros, de ladrilhadores, de técnicos. Toda a gente sabe que há falta de mão-de-obra no país. A mão-de-obra no país já foi de formas diretas e subtis convidada a sair várias vezes. Por gente que nega ter dito o que disse, que sabemos todos que a amnésia é um problema grave e o Alzheimer é uma doença complexa, cujos números permanecem em crescimento... e que ataca particularmente a classe política nacional.

 

Portugal importa. Vemos, nos festivais espalhados pelo país, como importa. Importa arte. E faz muito bem em importar! Devia valorizar de igual forma a arte que se faz por cá, e que só interessa quando convém. Antes que os artistas que se importam com a forma como são tratados façam como nomes incontornáveis da cultura nacional, como Maria João Pires, que é atualmente – desde a renúncia (à qual dramaticamente chamam perda) da nacionalidade portuguesa – uma fabulosa e incontornável pianista brasileira.

 

Portugal importa. E, além de importar, Portugal vende-se. Vinhas infinitas, laranjais algarvios, olivais magníficos… vendem-se para valorizar a economia. E vendido fica o produto-mãe que origina os bens processados que Portugal importa depois. Porque Portugal importa. Mas não se importa o suficiente para apoiar o pequeno agricultor que produz. Não se importa a ponto de tornar sustentável o cuidado com os terrenos e a produção nacional.

 

Valha-nos o fado. Não há registo de que se importem fadistas. Também não há registo de que se importem muito com eles, exceto quando algum prémio de maior impacto é atribuído no estrangeiro. Ah… sim… porque Portugal também importa as opiniões que não tem, dando sucessivamente valor apenas ao que alguém de fora já valorizou!

 

Numa coisa, eu concordo com os nossos políticos: Portugal importa. E ninguém nega que as importações sejam importantes para as dinâmicas comerciais e o desenvolvimento económico. Mas porra. Portugal importa. Muito. Seria melhor, talvez, que se importasse.

 

  Marina Ferraz




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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Regras básicas para atravessar a estrada

 



1995

 

Olha para a esquerda e para a direita antes de atravessar.

 Palavras da minha mãe, na proximidade da passadeira.

 Mesmo tendo prioridade, olha sempre para a esquerda e para a direita. Andam malucos por aí…

 As outras pessoas atravessavam. Sem olhar. E ela acrescentava:

 Tu não és os outros. Tem cuidado! Olha para a esquerda e para a direita.

 A esquerda e a direita não eram caminho. Eram só as direções de onde vinham as ameaças. Aquelas que podiam impedir-nos de chegar ao outro lado, para seguir caminho.

  

2024

 

Estou parada na beira da estrada, com a Liberdade do outro lado da rua.

 Ao meu redor há gente. Vou vendo as pessoas. As que só olham para a direita. As que só olham para a esquerda. As que olham para os dois lados e criticam um deles, defendendo o outro. Pessoas que entram estrada a dentro e caminham para esquerda. Pessoas que entram estrada a dentro e caminham para direita. Que vão pelo meio da estrada. Ignorando o trânsito. À espera de descobrirem sei lá eu o quê. Próximas de descobrirem como fica a palavra SCANIA impressa ao contrário na testa.

Pessoas convertidas pela luz sagrada dos leds da TV defendem partidos como se fossem clubes de futebol. Olham para a direita se ela diz o que querem ouvir. Olham para a esquerda se lhes dizem que é lá que anda a melhor relação de imobilidade-rendimento.

 Do outro lado da estrada, está a minha Liberdade. Também está lá a equidade. A racionalidade. A cultura. A arte. O equilíbrio. O entendimento. A justiça. A estabilidade. O futuro.

 As pessoas atiram-se para o meio da estrada, caminhando para a esquerda e a direita. Ou andando em círculos como as moscas quando entram em casa… e que supostamente também estão à procura de uma saída.

 Mergulho nas ideologias e tento encontrá-las nos discursos. Mas o ronco do motor dos camiões de transporte de adubo da direita, com o seu fumo poluente e aroma execrável, é apenas superficialmente menos tolerável do que o insuportável acelerador a fundo nos Ferraris da esquerda (aos quais trocam o cavalinho empinado por um VW durante o tempo de campanha, para que pareçam mais comunitários e comedidos).

 E há as pessoas. A andarem na direção da direita. E há as pessoas. A andarem na direção da esquerda. Como se as mães nunca lhes tivessem ensinado a traçar perpendiculares à estrada, atravessando com cuidado, para irem na direção que querem e não na direção que lhes dizem para quererem.

 Eu não sou os outros.

 Olho para a esquerda e para a direita antes de atravessar. Que andam malucos por aí… Malucos à esquerda. Malucos à direita. Ocasionais ditadorzinhos aqui e ali.

 Tenho os olhos pousados no que quero. A Liberdade. A equidade. A racionalidade. A cultura. A arte. O equilíbrio. O entendimento. A justiça. A estabilidade. O futuro.

 E olho para um lado e para o outro. Mas toda a gente acha que tem prioridade. Então, contra todos os conselhos maternos, vou atravessando assim mesmo.

 À espera de descobrir se vai ser a direita ou a esquerda a atropelar-me desta vez…

 

  Marina Ferraz




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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Textos fofinhos

 

Fotografia de João Lamas

Eu quero escrever textos fofinhos. Gentis. Mas é difícil conectar-me com pessoas desconectadas, usando os ardis populistas que critico nas vozes do poder. Penso, depois de me dar demais, que não nasci para me vender. Sempre preferi sentar-me na mesa da falta e partilhar o pão do que comer acepipes com caviar em bandejas de prata. E é justamente por isso que serei sempre uma voz que não gera preocupação às estruturas soberanas. As minhas palavras são flechas. Certeiras. Duras. Cáusticas. Mas que acertam sempre nos muros de pedra e diamante que me recuso a transpor. Não passo de uma espécie de idealista inútil, aos gritos numa sala cheia de surdos. Escrevo este texto. E não sei para quem. E não sei para quê.

 

Posso dizer que, nas mesas onde me sentei, já comi entradas de dor com quem tem fome. Posso dizer que essas mesas não eram mesas. Às vezes, elas eram chão, calçada imunda, lado a lado com pessoas sem-abrigo, que me agarravam as mãos como se houvesse algo de divino no meu privilégio servil. Às vezes, essas mesas foram de gente que tinha perdido gente… e até tinham pratos cheios, mas cadeiras vazias que tiravam a fome do estômago revolto, na ideia da perda. Às vezes, foram camas de hospital, de lágrimas engolidas, implorando para que ao menos uma garfada da descuidada ração passasse os limites dos lábios.

 

A maioria das pessoas não sabe que eu podia estar do outro lado. Por duas ou três vezes na vida ponderei estar. Do lado de quem escreve os textos fofinhos. Com dias de festa ininterrupta e o som acautelador do dinheiro a cair levemente nas contas. E por duas ou três vezes ponderei se não devia ir. Para esse lado aparentemente sadio. Viver como vive a metade que não é metade mas 1%. Penso que teria ido. Que irei. Quando estar lá significar poder tirar a fome a quem a tem, criar abrigo, abrir espaço de mudança. Só que não fui. Nunca fui. Porque o preço da passagem foi sempre a minha alma. Porque o preço da passagem era fechar os olhos. Tapar os ouvidos. Ser um dos muitos surdos dessa sala onde continuo aos gritos. Idiota ineficaz. A propagar as ideias gastas que chegam sempre e só até quem não pode mudar nada.

 

Eu quero muito escrever textos fofinhos. Mas assusta-me a ideia de que, se começar a pintar arco-íris na merda, os lúcidos comecem a ver purpurinas onde há a poeira das bombas. Sigo, pelas mesmas ruas onde os cartazes exploram a ignorância impingida em anos e anos de educação frágil, sem saber se condeno ou agradeço a quem me ensinou a pensar além dos manuais escolares.

 

Eu queria escrever textos fofinhos. Como os que se pedem na primária. Sobre flores e jardins. Mas, meus amigos, nessa altura eu já matava rosas que atacavam malmequeres com sumptuosa vaidade. Nessa altura eu já atirava setas contra muros de pedra. Nessa altura eu já me sentava no lugar de quem não tem lugar. E já gritava nas salas dos surdos.

 

Eu queria escrever textos fofinhos. Em vez disso escrevo textos fracassados. Talvez um dia escreva um texto fofinho. Só para passar o muro num Cavalo de Tróia só meu, poupando a alma. E atacar, de dentro para fora, essa terra de parasitas vazios, que suga a vida dos outros.

 

Escrevo este texto. Não sei para quem. E não sei para quê. E preferia escrever textos fofinhos: Era uma vez um povo que passou o muro, disposto a lutar, a qualquer preço, pela justiça, pela equidade, pela Liberdade, pelo todo…

 

Sim. Um dia quero escrever textos fofinhos.


 Marina Ferraz




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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Na falta de inspiração para títulos

 


Ando desinspirada. Não sei se é da chuva. Não sei se é do nevoeiro. Não sei se é reflexo do mês incrivelmente longo de Janeiro. Não sei se é dos conteúdos que continuam a cair-me no colo e que quero ignorar, mas não consigo. Não sei do que é! Sei que tenho muito para dizer. Demasiado. E não faço ideia de como dizê-lo sem parecer o disco riscado do costume, a dar palmadinhas na mão das pessoas como quem diz “ai, ai… olha que ser fascista faz mal à Liberdade. Temos de ser bons meninos. E de pensar nos outros.”

 

Quero escrever. Mas escrever é um ato de rebeldia. As palavras são indisciplinadas. Fazem motim nas frases dos meus textos. São tão violentas que, por vezes, preciso de controlar o dedo – o indicador da mão direita, como não podia deixar de ser - para não censurar os sentimentos que teclei antes de pensar, e que ficaram à esquerda do cursor que pisca, à espera que lhe diga qual a letra seguinte.

 

O que tenho para dizer não nasce em mim. Nasce em publicações e em vídeos repugnantes, de seres humanos que não merecem a designação, e que acordam o conservadorismo exacerbado com palavras de ódio agarradas ao politicamente correto. Dou por mim a odiar os conteúdos, os vídeos e as pessoinhas que os fazem. E o conservadorismo. E o politicamente correto, também. Mas eu não sou pessoa de ódios. E dói-me no peito quando percebo que não o é. Nem ódio, nem raiva, nem rancor. É medo… Onde vamos? Pergunto. Não há resposta. E tenho medo desse silêncio.

 

Palavras que não merecem ser repetidas – mas que é preciso repetir, para que se saibam - informavam os portugueses, há dias, de que as crianças estão a ser subvertidas pelos conteúdos sexualizados das escolas e que se transformam em “nem homens, nem mulheres, uma coisa estranha que não sabemos bem o que é”. Dou por mim a imaginar crianças que me saíssem do corpo. Crianças que poderiam ser quem fossem, porque não creio que julgasse identidades ou sexualidades ou escolhas de vida. Mas, depois, lembro-me de que alguém pariu aquela besta. E dá medo até disso. De parir. Fascistas. Mais fascistas, num mundo onde os media anunciam que 19% das intenções de voto já são neste tipo de pensamento-embalagem, que fica dentro da caixinha mais pequena de todas as micro-caixas.

 

Ando desinspirada. Peço aos meus seguidores de Instagram que me deem títulos. Uso-os. Como usei este, de alguém que certeiramente identificou o problema que motivou o meu pedido. Falta-me inspiração para um título. Não porque me falte tema. Mas porque sei que erodiria o teclado se começasse a falar, sem foco, sem direção, sem limite, de tudo o que me perturba.

 

Os debates políticos levam entre 25 e 30 minutos. Os comentários políticos e os comentários aos comentários políticos levam horas e horas. Se eu tivesse tempo de antena para falar de tudo o que me incomoda, a televisão viraria peça de museu e até o streaming já teria passado à história quando eu me calasse.

 

Se tenho um título para isto? Não tenho. O que se está a passar é inominável.

 

E assim fica a habitual palmadinha na mão.  “Ai, ai… olha que ser fascista faz mal à Liberdade.”. Mas com um título fixe. Que não é meu.


Marina Ferraz




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terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Perda de capital

 

 Fotografia de Skitterphoto

A manhã irrompeu. As lojas começaram a abrir. O rebuliço lisboeta acordou. Demoradamente, que não existe pressa no mundo dos mortos, Eça de Queiroz, Pessoa e Saramago caminharam. Passaram por lá uma vez mais. Depois de tantas outras vezes. Pararam junto à porta fechada. Trocaram o olhar de quem sabe o que sempre soube. Contestaram a realidade com palavras que não serão conhecidas, já que ninguém os viu ou ouviu. Mas imagina-se que as palavras tenham sido, agora, semelhantes às que antes proclamaram. Imagina-se que o Fernando tenha dito: “Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina.”(1) E que Eça tenha acrescentado: “país governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha.”(2) Sem perder o ar idóneo que sempre o caraterizou, imaginamos ainda que José tenha retorquido “aproximam-se tempos de obscuridade, o fascismo pode regressar; já não há muito tempo para mudar o mundo". (3)

 

A porta fechada da Livraria Ferin era apenas uma das muitas provas de uma Lisboa moribunda. Realidade triste para mim que, lado a lado com os meus ídolos, sem os ver ou ouvir, me permito também falar. Tenho exclamações menos literárias e das que os transeuntes podem ouvir, porque estou viva. Envio os causadores destra trama diretamente para a genitália dos pais deles. Mas sei que eles não ouvem. O barulho dos trocos milionários a quedarem-se na conta bancária deve impedir a perceção sonora de tudo o resto.

 

Lisboa é um mar de lojas históricas que fecham portas. Só no ano passado, além desta livraria – uma das minhas favoritas – fecharam também a Casa Chineza, o Bota Alta e a Barbearia Campos, e estou certa de que muitas outras…

 

Rendas impeditivas estão a impedir Lisboa de ser a minha Lisboa. A Lisboa que fiz minha dizendo que ela não era de quem vive nela, mas de quem a vive… ainda bem que ela não é de quem vive nela, penso agora, porque viver nela está a tornar-se luxo para turistas e burgueses.

 

As tendas montadas na rua são de gente que vive nela, mas não pode viver condignamente nela. E as placas de AL transformam a cidade bairrista num espaço onde o atendimento é feito, por defeito, em inglês. Nunca o fado soou mais triste. Falta a roupa estendida a cheirar a sabão, de janela a janela. O cheiro do café e dos guisados substituiu-se pelo aroma a fritos das grandes cadeias internacionais de fast food.

 

A Lisboa da Amália quis mesmo ser francesa. Mas não lhe bastou ser francesa. Também quis ser inglesa, alemã, americana. Quis ser de quem pagasse mais. Abriu os braços com a sua hospitalidade desejável e que sempre elogiei. Mas, depois, vendeu-se… pôs as suas gentes fora de portas, globalizou o bairrismo, subiu as rendas até que apenas o privilégio pudesse pagá-las. Lisboa foi-se perdendo.

 

Fico parada à porta da livraria com um ardor no peito. Lanço mais um insulto descontente aos políticos e a quem os pôs no mundo. Depois, lanço um elogio fúnebre a esta cidade que amo. Uma expiração. Um desabafo.

 

Oh Lisboa… Eu sempre disse que era má ideia investir em ações com risco de perda de capital…

 

 Marina Ferraz


(1) Fernando Pessoa em “Crónicas da Vida que Passa”, em O Jornal  nº5 (1915)

(2) Eça de Queiroz, em “O distrito de Évora” (1867)

(3) José Saramago, em “Jornal Público” (2007)

 



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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

18 anos

 

 Fotografia de Analua Zoé



Eu fui uma menina com um sonho. Fui. Juro que fui!

 

Podem perguntar à D. Maria dos Anjos, esse anjo da minha primária. Ela viu-me ser. Menina. Com um sonho. Composições feitas com temas diversos, muitas delas com o dedinho mágico de revisão da minha avó, chegavam-lhe às mãos. Algumas falavam da rosa vaidosa que morria e outros da beleza da aldeia e do ruído da cidade. Alguma delas a fez olhar para mim e dizer-me: “um dia, vais ser escritora”. E esse era o sonho. O sonho que ela já tinha ajudado a edificar, pedindo-me para escrever um “i. A letra que definiu toda a minha vida, pondo pontos nos “is” sobre o que eu haveria de ser.

 

Eu fui uma menina com um sonho.

 

Também podem perguntar à minha mãe. A minha mãe contaria a história da tortura. Da criança, de caderno na mão, entrando no meio de toda e qualquer tarefa. “Dá-me um tema” era a minha versão pessoal do “Falta muito para chegar?”. Da criança que continuaria esta trama na adolescência. “Dá-me um tema” Desesperada, a mexer um tacho de arroz com ervilhas e cerca de mil temas depois, ela sugeriria a essa menina de 13 anos que escrevesse sobre ervilhas. Foi o dia em que concluímos que eu escreveria qualquer coisa. Foi o dia em que concluímos que eu não escreveria o expectável sobre qualquer coisa. Foi o dia em que concluímos que eu usaria qualquer coisa para falar da sociedade… e, em particular, ervilhas para falar da pobreza e da falta de oportunidades em regiões rurais.

 

Eu fui uma menina com um sonho.

 

Podem perguntar àquela professora do terceiro ciclo que, lendo-me, me disse que eu não sabia escrever. Mesmo depois de eu ter feito um texto que o meu irmão lera, exclamando a seguir “fogo, isto está mesmo bom!”. Também podem perguntar à minha professora de português do secundário, que leu um romance inteiro escrito à mão, pacientemente, elogiando cada página, se não pela literatura, pelo esforço. Ou a um dos meus explicadores de matemática, que se perdiam nos meus poemas, quando num gesto de ativa fuga aos números, eu os aliciava para as rimas. Entretanto, meu sonho era um cálculo simples… igual a infinito… e o único que aprendi com facilidade.

 

Eu fui uma menina com um sonho. Fui. Juro que fui! Até que, um dia, deixei de ser.

 

 

Em algum momento temos de definir onde começa a linha. Para mim, ela começou quando o meu sonho – esse de escrever – se transformou num objetivo – esse de escrever. Mudar a forma de pensar as coisas muda tudo. E é por isso que considero que o dia em que me sentei para criar este blog, decidindo, finalmente, dar as minhas palavras, não só com adultos significativos mas com o mundo, representa para mim o início de uma carreira como escritora.

 

(Eu sei, muitos vão dizer que não é um blog que representa o começo de uma vida profissional. Mas lembremos a tradição nacional onde muitos políticos traçam o início das suas referências em cursos universitários que nem fizeram.)

 

Eu sou uma mulher com um objetivo.

 

O meu sonho sobreviveu 10 anos sendo apenas isso. O meu objetivo, que o elevou, já tem 18. E, com ele - com o objetivo - defino o começo da carreira que chega, no último dia do mês de janeiro, à maioridade: data que assinala a primeira publicação neste blog.

 

Sobre o blog – que teve 3 nomes e muitos momentos - perguntam-me “porquê kkadreamsland”. Eu fui uma menina com um sonho. Uma menina que ficou conhecida, no seio familiar, como Kekeia, por demorar a dizer “Raquel”, o seu segundo nome. E, quando transformei o meu sonho num objetivo, criei este mundo dos sonhos, condensado em espaço digital, para guardar a menina que foi e a fazer sobreviver às agruras da vida. Não é a Kekeia que vos escreve. Nem é o sonho que alimenta o que me faz autora. Mas a Kekeia e o seu sonho foram a alavanca para o hoje. Deixo que evoluam e se transformem numa Marina e seu objetivo, mas não os esqueço e não os abandono. Alimento-os de memórias e sento-me à mesa nessa refeição. Observamos juntos o futuro e todas as suas possibilidades.

 

Eu fui essa menina. Com esse sonho.

 

Sou esta mulher. Com este objetivo.

 

O meu objetivo faz com que me levante todos os dias. É o causador da maior parte das minhas lágrimas. É o responsável pela maior parte dos meus sorrisos. É o motivo pelo qual espero nunca me reformar. É o motivo pelo qual gostaria de morrer com uma caneta na mão (ou de cabeça tombada sobre o teclado, o que é menos poético, mas mais realista).

 

Se o destino me for favorável, na minha ausência alguém me lerá.

 

Aí terei sido. Menina. Com um sonho. Mulher. Com um objetivo. E… finalmente… palavra. Com uma missão.

 

 Marina Ferraz




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terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Paninhos quentes

 


De…va…ga…rinho. O luxo moderno é ter tempo para a diplomacia. Senhores de fortunas injustificáveis têm sempre tempo para os advérbios de modo. Discursam longamente, prolongadamente, polidamente... Cada palavra estudada com cautela, livres de comoção, que as emoções mastigadas podem fazer cáries e importa que o sorriso condiga com o discurso, branco, reluzente, vazio…

 

Colocam-se paninhos quentes sobre os temas mais crus. Números do desemprego limados com as perspetivas de cursos onde a Nova Oportunidade é a velha história da repetição. Guerras trabalhadas em encontros de engravatados, onde se vota quem vive e morre, entre acepipes de coffee break. Glaciares que derretem como o gelo do whiskey nos jatos privados e iates que levam as mesmas gravatas à Cimeira do Clima.

 

A diplomacia está sobrevalorizada. Medem-se pilinhas e palavras. Depuram-se racionalidades, como se as notícias fossem fotos de Instagram e precisassem de filtro. Moderam-se expressões, embacia-se a transparência e declara-se a morte da autenticidade.

 

Aceita-se a inércia. Mascara-se o insulto de cordialidade. Vê-se o mundo avançar para o abismo, mas os pobres vão na linha da frente e a guerra fica a uns milhares de quilómetros valentes dos edifícios estatais onde se discute o material das placas a colocar na autoestrada para o inferno.

 

Peço cordialmente que me permitam a exclamação de um “foda-se!”, antes de perguntar que merda é esta. Perdoem-me a falta de diplomacia, mas o tempo escasseia no mundo de quem não nasceu de cu virado para a Lua. Não tenho tempo - nem tempo nem a paciência - para os paninhos quentes. Não tenho tempo nem paciência para a falsa harmonia que se propaga por entre a trupe das palavras caras. Não tenho tempo nem paciência para a hipocrisia e a formalidade. Tenho pressa de respostas, porque a cada quatro segundos uma pessoa morre de fome no mundo e a cada dez minutos morre uma criança em Gaza…

 

Faço alergia às diplomacias modernas. Coço-as da pele. Paninhos quentes não mudam a sensação de desdém e não tenho paciência para o eufemismo. Entendo que a derradeira prova de riqueza já não é a ganância do dinheiro (mesmo se quem tem milhões sirva apenas os seus próprios interesses em travessa de ouro), é o tempo… Ter tempo para preparar discursos analisados por vinte assessores, que limam palavras como quem trabalha as unhas de gel com extensão, até que tenham mais de plástico do que de orgânico.

 

É assim que ditadores e assassinos são cordialmente apelidados de Senhor Presidente e Senhor Doutor. E é assim que passam mais quatro segundos. Mais dez minutos. E nada muda.

 

Tenho muitos privilégios. Não passo fome. Não estou em Gaza. Mas não tenho tempo para limar discursos. Para mim, um filho da puta com formação e cargo elevado ainda é um filho da puta… e uma guerra não é uma situação desafiante… é uma situação de merda. Talvez esteja na altura de perdermos menos tempo a limpar os discursos para que sejam distintos e mais tempo a distinguir os problemas que importam para que se limpe o mundo.

 

Não tenho paciência nem tempo para os paninhos quentes. Não quando há panos a tapar os corpos frios de gente para quem o tempo acabou.

 

Marina Ferraz




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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Olheiras de família

 

Fotografia de Ricardo Torb

Herança genética. Ou não. Não sei. Os meus olhos afundam-se frequentemente no meio das olheiras. Ando cansada. Já nem digo que ando cansada. Ando cansada há tanto tempo que suponho que, agora, já é isto que eu sou. Cansada. Com olheiras. Vendo o reflexo delas nas videochamadas com a minha irmã. E encontrando o reflexo delas também no meu irmão, quando tenho a sorte da compatibilidade horária que permite o encontro. E sentindo-as, ainda que menos visíveis, na minha mãe. Sabê-las lá. Encarando o modo como o meu pai as esconde atrás dos óculos, sempre que não os pendura na ponta do nariz para analisar algo com o pormenor da proximidade.

 

Diria, por encontrar auréolas de cansaço em torno dos olhos de todos nós, que nos contagiámos uns aos outros com essa doença altamente infeciosa da atualidade: a falta de tempo para descansar. Mas gosto mais do nosso cansaço do que gosto do dos outros. Gosto de nós como somos. Essas gentes de resmungo fácil, que ainda assim amam com uma complexidade antiga. Tirando mais duas horas ao sono escasso, caso elas possam ser de encontro. Roubando do tempo que não têm para se darem numa chamada, num momento… ou no pensamento calado, quando a distância é muita e a voz já denuncia a falsidade do “estou bem” que sempre dá introdução ao “e tu?”.

 

Olhando dentro dos meus olhos, encontro por vezes até os traços de objetos da família. Como a cafeteira elétrica da minha mãe, que trabalha na perfeição, mas não acende a luz. Escrevendo textos de trabalho. Heroicamente. De sol a sol. Funcionando o melhor possível, mas sem luz nos olhos. Em alguns dias, regresso à menina que fui, pregando pregos numa tábua de madeira na loja de aldeia do meu avô, só porque sim… mas regresso hoje com menos entusiasmo, já que na altura aquela atividade – que hoje certamente seria considerada muito pouco adequada para uma menina de 5 ou 6 anos – me dava uma imensa sensação de realização. E questiono-me, como faz a minha mãe sempre que ajuda a minha irmã a limpar a sala da costura “para que queres tu isto?” e encolho os ombros à minha própria pergunta, tal como a minha irmã faz, tirando o objeto em questão das mãos desfazedoras da nossa progenitora, para o guardar novamente na gaveta dos monos.

 

Os olhos da minha irmã são azuis. Os meus são castanhos. Os do meu irmão são verdes. Parece que os meus pais nos mandaram vir de um catálogo da Robbialac. Mas partilhamos sobrenomes, traumas e olheiras. Todos perdemos a luz dos olhos, às vezes. Mas encontramo-nos. Retomamos o brilho quando nos encontramos. O nosso tempo é o tempo que temos por nosso. E, quando sorrimos uns aos outros, na pequena chamada da tarde, no encontro mensal, nas festividades, há muito mais amor do que olheiras nessa herança que nos distingue e isola dentro do nosso próprio cansaço.

 

Depois de retomada a luz, naquela chamada sem nenhuma razão de existir, senão porque se quer que exista, chegam as piadas desconexas que mais ninguém entenderia – aquelas piadas privadas que vêm de histórias que só têm graça para quem as viveu – e a minha mãe diz “temos muitas histórias”, e a minha irmã acrescenta “tantas, demais”. E eu olho para elas, para os sorrisos delas, que até parecem minorar as olheiras… e digo “muitas, tantas… e nunca serão as suficientes”.

 

Lembramos todas que a herança nos vem de trás. Sem olheiras já. Lugares vazios na mesa onde o cansaço persistia. É uma coisa muito séria, essa do tempo que falta… quando já há todo o tempo do mundo… e cada segundo dele cansa.

 

É uma espécie de herança. Coisa de família. De sangue. De alma. Temos olheiras. Histórias. E muito amor para dar. E olheiras. Olheiras fundas. Círculos negros ao redor dos olhos. Não adianta usar corretor. São olheiras persistentes, que só reduzem quando encontram par numas olheiras iguais. Essas que contam as histórias do amor. Essas que acendem a luz do olhar. Essas que vão escondendo a escuridão do rosto e aquecendo o sorriso. Porque mais importante do que a olheira é o olhar. E o amor nunca é negrume.


Marina Ferraz




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terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Grupos de doações

 

 Fotografia de Pixelkult

Ter coisas incomoda(-me). Este é um conceito estranho. Eu sei. Mas ter coisas incomoda(-me). Como se as divisões fechassem e houvesse um nó na garganta. Uma espécie de sufoco. Paredes que se fecham e reduzem o espaço aos limites do corpo. Apertam o corpo. Esmagam o corpo. Eu não sabia que as coisas que povoam as estantes nos pesavam nos ombros. Mas tenho vindo a descobrir isso, com o tempo. É um incómodo incontornável – que sempre existem objetos de valor emocional que vão ficando - mas é um incómodo real. Maior quando sabemos que o nosso excesso é a falta do outro. Desisti dos monos. Mesmo dos que são “eventualmente úteis”. Se não uso, se não serve, se não têm propósito, gosto de os destinar a outros, que os valorizem, que precisem deles, que não se sintam incomodados, mas antes agraciados por eles. E foi assim, senhoras e senhores, que cheguei a essa grande lavandaria chamada grupos de doações do Facebook.

 

Há quem dê. Há quem peça. Há pessoas que trocam um produto por outro. E depois há a maioria: aqueles que criticam. Criticam os que dão. Criticam os que pedem. Criticam os que trocam. E até criticam os que, como eles, criticam.

 

Vem a pessoa que pede algo para a casa e surgem cem que dizem que o grupo é para doar, não é para pedir. De entre estes, pelo menos metade diz que qualquer dia as pessoas do grupo querem que se lhes mobile a casa inteira. Dessa metade, no mínimo 10% acha por bem responder a pedir um Ferrari vermelho ou algo no mesmo escalão de preço, troçando do pedido e daqueles que, tendo para dar, ofereceram a sua ajuda. É difícil encontrar estes – os que ajudam – no meio dos comentários.

 

Vem alguém que tem produtos alimentares não perecíveis, mas subjugados a prazo de validade caduco. Perguntam se alguém ainda quer, porque não vai usar por este ou aquele motivo. Vem a trupe que critica a dádiva fora de prazo. A trupe que diz que já comeu muita coisa fora de prazo e que não deviam criticar. A trupe que critica essa crítica porque o incentivo ao consumo de produtos fora de prazo é perigoso. E uma alma só que agradece e aceita o produto, com humildade e, possivelmente, medo de ser a próxima vítima das trupes.

 

Chega quem tem artigos danificados. E os mesmos (ou outros) se juntam para reclamar da qualidade da oferta. E os mesmos, ou outros, criticam e envergonham quem dá. Descendo no feed, alguém diz que dá sacos de coisas, mas só a quem levar tudo (provavelmente para desocupar) e vem logo uma horda de gente a reclamar de não poder levar só a peça A, B ou C.

 

Dar já não é fácil. Pedir muito menos. Cada vez mais pessoas optam por fazê-lo de forma anónima. E… adivinhem! Critica-se o anonimato! O que têm estas pessoas a esconder, afinal?

 

Fico atónita a olhar para os grupos de doações, essa lavandaria onde a roupa suja e a lavada vão para a máquina das opiniões em conjunto... Fico atónita. Tanto que, muitas vezes, preciso de parar e pensar o que raio ia publicar à partida. Quando dou conta, eu que me incomodo com estes monos dos quais não preciso e que podem fazer jeito a alguém, dou por mim a escrever um pedido em vez de uma doação: “Há alguém a doar milho para pipocas?”

 

Haverá críticas dos que acham que as pipocas não prestam, que as melhores são com manteiga, salgadas ou doces, que não tarda também têm de dar o bilhete para o cinema e valha-me Nosso Senhor das Longas Metragens…

 

Voltarei. Para ler os comentários. Quando houver pipocas.

 

 Marina Ferraz




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